O secretário da Fazenda, Luiz Tacca Júnior, alertou durante o encerramento do I Seminário de Estudos Tributários da Secretaria da Fazenda - " ICMS – autonomia, isonomia, livre concorrência e desenvolvimento", na última sexta-feira, 25, que os Estados, ao invés de buscar um modelo de tributação sobre o consumo mais neutro e harmonizado, “embrenharam-se numa “guerra fiscal”, cujo resultado é comprometimento (1) das finanças públicas estaduais e da participação dos Estados na distribuição das receitas tributárias nacionais; (2) do  equilíbrio e das relações federativas: (3) do quadro jurídico-institucional do país; (4) da qualidade de seu principal imposto, o ICMS; e, finalmente, (5) da competitividade da produção nacional.

E acrescentou que o projeto de reforma tributária está contaminado de forma irremediável pela guerra fiscal. “E os Estados, que são hoje os principais atores desse processo, estão enredados numa teia da qual não já conseguem desvencilhar-se”. “Atualmente – continuou -, enquanto os Estados se empenham no conflito indiscriminado que estabeleceram uns contra os outros, a União já participa com quase a metade do que é arrecadado sobre a base do consumo, tradicionalmente reservada ao ICMS e ao ISS”.  FIM DA GUERRA FISCAL Tacca observou que o primeiro passo para uma verdadeira reforma tributária é o fim da guerra fiscal. “Enquanto esta continuar a dirigir os projetos de reforma, sob o olhar distante e indiferente da União, continuaremos a assistir aos esforços acrobáticos e infrutíferos de tentar dar alguma racionalidade ao irracionalismo que tem estado na sua própria raiz”. 

O secretário defendeu o ponto de vista de que uma reforma tributária deve ir além do ICMS. “À medida que deslocamos a motivação do projeto de reforma para a busca da competitividade e do crescimento econômico, passamos a ter claro que uma reforma tributária tem de ir muito além da reforma do ICMS”. 

“O objetivo de crescer tem de ser compatibilizado com o objetivo de arrecadar. É isso que autoriza o Estado de São Paulo a defender uma reforma ampla da tributação do consumo no Brasil. Para alcançar esse objetivo, a sobreposição de tributos tão complexos e desarmônicos, como se tornaram o ICMS e o PIS/Cofins, poderá dar lugar a um IVA harmonizado, com competências exclusivas para a União e para os Estados, que possa racionalizar o nosso combalido sistema de tributação indireta”. “Todos os ardis que foram deformando nosso sistema de tributação, como a guerra fiscal e a exploração das contribuições sociais para ampliar a margem da União na tributação do consumo, poderão,  com vantagens para todos, dar lugar a um Imposto sobre o Valor Adicionado harmonizado, com competências exclusivas para a União e os estados”.  

Tacca alertou, entretanto, que a “a harmonização não poderá confundir-se com uniformização. Algum espaço terá de ser deixado para que o Estado possa alterar a alíquota do IVA, de modo a ajustar suas receitas às necessidades de gasto”.

O I Seminário de Estudos Tributários da Secretaria da Fazenda, realizado na Capital, reuniu representantes dos fiscos estaduais e federal, membros da Federação do  Comércio (Fecomércio), da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), além de pesquisadores de universidades e especialistas da área econômica.

Durante dois dias de palestras três painéis tiveram destaque e enfocaram os temas: "Mudanças do ambiente de negócios e do papel do gestor tributário"; o " ICMS e desenvolvimento da atividade econômica - Reforma Tributária"; e "Guerra fiscal e federalismo - Visão de São Paulo".

ÍNTEGRA DO DISCURSO

'A questão da Reforma Tributária na visão do  Estado de São Paulo' foi o tema do discurso do secretário da Fazenda, Luiz Tacca Júnior, no encerramento do encontro. Confira a integra do seu pronunciamento:

"Para os estados brasileiros e, particularmente, para as administrações fazendárias estaduais, as mudanças trazidas pelo processo de globalização implicaram mudanças de paradigmas em dois aspectos: a tributação e a administração. Por um lado, a abertura dos mercados globais trouxe exigências de competitividade para as economias nacionais ou regionais que afetam diretamente os modelos de tributação. Num mercado aberto, a neutralidade dos impostos tornou-se questão central para a garantia da competitividade, da mesma forma que a harmonização tributária se tornou requisito para a formação de blocos econômicos que pretendam ter acesso aos mercados internacionais. No caso da tributação sobre o consumo, não por acaso, esse período coincidiu com a rápida expansão mundial do IVA. Afinal, esse imposto, além de sua capacidade de arrecadar, permitia tributar o consumo em cada estágio do processo de produção e, ao mesmo tempo, desonerar as exportações com relativa facilidade.

No que diz respeito à administração tributária ou financeira, a globalização, impulsionada pela revolução tecnológica, provocou mudanças profundas na organização dos agentes econômicos, dentro e fora do território nacional, implantando  novos modelos de organização financeira, produtiva, comercial e administrativa, criando produtos novos, às vezes, setores de atividade novos, tornando as relações inter e intra-empresariais muito mais complexas. Novas formas de organização dos agentes econômicos passaram a exigir novas formas de administração tributária. Muito rapidamente essas administrações passaram a mostrar sua inadequação a esses novos paradigmas. 

Essa inadequação está na origem da criação do PNAFE-Programa Nacional de Apoio às Administrações Fazendárias. Nesse sentido, o PNAFE foi a resposta dada pelas administrações fazendárias dos estados aos efeitos da globalização. O Programa, que começou buscando a superação do fosso tecnológico que separava o setor público dos contribuintes, foi alastrando-se até ganhar a abrangência que caracteriza as mudanças de paradigma: ampliação da importância dos modelos de gestão, necessidade de integração de sistemas, alteração no perfil profissional, exigência de novas competências, sistemas de capacitação convergentes com as novas competências, mecanismos de cooperação intergovernamental, mudanças na cultura institucional, entre outros aspectos.

Paradoxalmente, a mesma agilidade que os estados tiveram para responder às mudanças de ordem administrativa, eles não tiveram com relação à percepção das mudanças de paradigma na tributação internacional. Ao contrário, atuaram em sentido oposto ao aumento da competitividade que a abertura dos mercados estava exigindo. Lamentavelmente, ao invés da busca de um modelo de tributação sobre o consumo mais neutro e harmonizado, os estados da Federação brasileira embrenharam-se numa “guerra fiscal” cujo resultado é o comprometimento:

1) das finanças públicas estaduais e da participação dos estados na distribuição das receitas tributárias nacionais;

2) do equilíbrio e das relações federativas;

3) do quadro jurídico-institucional do país;

4) da qualidade de seu principal imposto, o ICMS e, finalmente,

5) da competitividade da produção nacional.

Desde os primeiros momentos seguintes à promulgação da Constituição de 1988, temos nos debatido por conquistar algum espaço para promover o desenvolvimento dos nossos estados e atrair novos investimentos, com o uso de benefícios fiscais que passam fora do quadro legal e institucional que preside esse imposto. O resultado disso tem sido a diminuição progressiva da participação dos estados na Federação brasileira, numa guerra onde nem esta nem aqueles estão entre os ganhadores. Na última década crescemos a uma taxa inferior a 2% a.a., significativamente abaixo da média de crescimento do PIB mundial.

O ICMS, principal tributo do país, tem perdido espaço na base de tributação do consumo, para outros tributos federais, de cuja receita nem os estados nem os municípios participam. Atualmente, enquanto os estados se empenham no conflito indiscriminado que estabeleceram uns contra os outros, a União já participa com quase a metade do que é arrecadado sobre a base do consumo, tradicionalmente reservada ao ICMS e ao ISS.

Os tributos responsáveis pelo aumento da participação da União na base de consumo, a qual era antes domínio quase exclusivo dos estados e municípios, além do fato de não serem compartilhados com esses níveis de governo, seriam menos ruinosos caso tivessem melhor qualidade. Não é o que ocorre, porém. À já proclamada complexidade do ICMS vem somar-se a crescente complexidade de outros tributos, sem que haja qualquer preocupação em harmonizá-los. Além dos custos de administração e de cumprimento das obrigações, em muitos casos, a cumulatividade é mantida, sempre em prejuízo da produção doméstica.

A abrangência das propostas de Reforma Tributária, que se arrastam há mais de 10 anos, tem sofrido uma progressiva atrofia, ficando, depois de a União ter conseguido a aprovação das matérias de seu interesse, restrita a mudanças tópicas no ICMS. Nosso projeto de reforma está contaminado de forma irremediável pela Guerra Fiscal e os estados, que são hoje os principais atores desse processo, estão enredados numa teia da qual não já conseguem desvencilhar-se.

Enquanto os estados multiplicam o uso de instrumentos ilegais para ampliarem aquilo que o jargão da guerra fiscal queria fazer passar como “política de desenvolvimento regional”, assistimos ao solapamento persistente das bases de tributação da principal fonte de recursos dos estados. Nessa guerra fiscal, tão ilegal quanto ilegítima, o que uns poucos estados ganham, muitos outros perdem, num círculo vicioso em que se reproduz aquilo que se convencionou chamar de “corrida para o fundo”, onde a erosão da base de tributação se opera em benefício de algumas empresas individuais, quase sempre em prejuízo do interesse público. A estabilidade que deveria garantir as relações que os agentes privados mantêm entre si e com o setor público, fica, com a guerra fiscal, irremediavelmente prejudicada. Do outro lado, a isonomia que deveria marcar a participação do Estado na economia é quebrada com o favorecimento que é dirigido a esta ou aquela empresa individual.

Os interesses particulares dos estados que praticam essa guerra fiscal não podem responder pelos interesses do país. Numa época em que os países do mundo buscam os caminhos da competitividade e do crescimento, o Brasil e seus estados elegem o caminho inverso, com o efeito adicional de ampliarem os conflitos federativos.

A Reforma Tributária que está atualmente em discussão no Congresso Nacional sofre do mal congênito de vir contaminada por essa sensibilidade beligerante que nos faz ver como inimigos uns dos outros, cujos interesses seriam inconciliáveis. Nesse jogo de soma zero, se eu ganho é porque alguém está perdendo, enquanto, se alguém está ganhando, outros estão perdendo. Com o horizonte reduzido a uma espécie de círculo-de-giz-de-peru, tornamo-nos incapazes de entrar num jogo em que todos possam ganhar.

Por tudo isso, sustentamos que o primeiro passo para uma verdadeira Reforma é o fim da guerra fiscal. Enquanto esta continuar a dirigir os projetos de Reforma, sob o olhar distante e indiferente da União, continuaremos a assistir aos esforços acrobáticos e infrutíferos de tentar dar alguma racionalidade ao irracionalismo que tem estado na sua própria raiz.

O sucesso de uma proposta de Reforma, a nosso ver, somente será alcançado se conseguirmos abandonar o viés regressivo que tem presidido as propostas recentes em favor de um projeto que coloque na frente os objetivos comuns a serem alcançados, tal como ocorreu com a experiência que nos é familiar do PNAFE.

O exemplo da União Européia, cujos Estados-Membros estiveram envolvidos em lados opostos numa guerra fratricida que sacrificou milhões de vidas, poderia servir de inspiração. Lá, o objetivo determinante para a formação e consolidação de um mercado comum foi a conquista da competitividade. Algumas das questões que fizeram com que fosse recomendado o princípio de subsidiaridade, a adoção de um IVA harmonizado, tão neutro quanto possível, e, mais tarde, o princípio do destino, foram motivadas pela perseguição daquele objetivo.

O inimigo maior dos estados brasileiros não são os outros estados, mas sim a má qualidade dos tributos, predicado de que compartilham o ICMS e os tributos federais indiretos. Daí a necessidade de uma reforma que vá além do ICMS. Por ser um imposto da competência dos estados e por ter este se tornado tão problemático, seria natural que o Estado de São Paulo defendesse uma reforma tributária restrita ao ICMS. O fato, porém, é que, à medida que deslocamos a motivação do projeto de reforma para a busca da competitividade e do crescimento econômico, passamos a ter claro que uma reforma tributária tem de ir muito além da reforma do ICMS. A questão da harmonização dos tributos indiretos no Brasil impede que a questão da reforma possa dar tratamento segmentado a essa questão. O objetivo de crescer tem de ser compatibilizado com o objetivo de arrecadar. É isso que autoriza o Estado de São Paulo a defender uma reforma ampla da tributação do consumo no Brasil. Para alcançar esse objetivo, a sobreposição de tributos tão complexos e desarmônicos, como se tornaram o ICMS e o PIS/COFINS, poderá dar lugar a um IVA harmonizado, com competências exclusivas para a União e para os estados, que possa racionalizar o nosso combalido sistema de tributação indireta.

Não temos dúvidas de que o espaço para o ajuste fiscal por meio do aumento da carga tributária chegou ao seu limite. Por outro lado, não alimentamos a expectativa de que a parcela ocupada pela União na base de tributação do consumo possa ser reduzida com brevidade. Todos os ardis que foram deformando nosso sistema de tributação, como a guerra fiscal e a exploração das contribuições sociais para ampliar a margem da União na tributação do consumo, poderão, com vantagens para todos, dar lugar a um Imposto sobre o Valor Adicionado harmonizado, com competências exclusivas para a União e os estados.

Consideramos indispensável a manutenção da autonomia financeira dos estados e, nesse sentido, o IVA estadual poderá cumprir o duplo papel de dar aos estados os recursos necessários para o financiamento de suas políticas públicas e, ao mesmo tempo, ampliar o nível de cooperação entre eles, e entre os outros níveis de governo. Os avanços que começaram com o PNAFE e que em vários estados continuam a ser perseguidos – em São Paulo está em curso o PROFFIS–Programa de Fortalecimento da Gestão Fiscal do Estado de São Paulo – não apenas ampliaram a capacidade e a qualidade técnica das administrações tributárias estaduais, mas estão pavimentando o caminho que leva à reforma desejada. Instrumentos de criação coletiva, entre os quais inclui-se o processo de unificação cadastral, que se encontra em estágio apenas inicial e o SINTEGRA e, por outro lado, a nota fiscal eletrônica e o SPED-Sistema Público de Escrituração Digital, constituem-se iniciativas pioneiras que conjugam os esforços dos três níveis de governo no sentido de modernizar as relações entre os órgãos governamentais e a iniciativa privada, reduzindo custos e aumentando a eficiência do controle público sobre questões tributárias. Isoladamente ou combinadas, essas iniciativas terão importância decisiva na modelagem de um sistema moderno e eficaz de tributação do consumo.

A harmonização não poderá confundir-se com uniformização. Algum espaço terá de ser deixado para que o estado possa alterar a alíquota do IVA, de modo a ajustar suas receitas às necessidades de gasto.

Duas diretrizes poder ser derivadas do objetivo de buscar maior competitividade:

1. a necessidade de harmonizar os tributos indiretos e

2. a orientação para o princípio de destino, garantindo a neutralidade do imposto quanto à alocação dos fatores de produção (e o fim da guerra fiscal!), com a aderência entre quem paga o imposto e quem usufrui dos bens e serviços públicos.

Evidentemente o sistema de destino implicará ganhos para os estados importadores líquidos no comércio interestadual e perdas para os estados exportadores. Por essa razão, a passagem de um sistema para outro deverá ser suavizada por um regime de transição, tão breve quanto possível, para não continuar a comprometer o nosso crescimento.

Como “regra de desembarque”, que permita a transição para o novo modelo tributário, defendemos a adoção de uma alíquota reduzida e uniforme, com queda gradativa até patamar a ser estabelecido, de forma a colocar termo à Guerra Fiscal fratricida entre os estados.

Num País com tantas assimetrias, a criação de um sistema tributário harmônico e economicamente eficiente, não irá, por si só, diminuir as desigualdades regionais e sociais. Nesse caso, a Reforma Tributária deverá estar acompanhada de mecanismos de equalização, que poderão incluir a constituição de fundos orçamentários que financiem as políticas nacionais de desenvolvimento regional e social.

Há muitos anos discute-se no Brasil os problemas do nosso sistema tributário, ao mesmo tempo em que são propostas soluções alternativas, algumas das quais de muita qualidade. Grande parte delas tem como motivação o crescimento e o desenvolvimento nacional, sem qualquer viés arrecadatório. Acreditamos que somente com uma inspiração que una os objetivos de crescer com o de reduzir as desigualdades é que poderemos romper com as amarras em que nos temos enredado, da qual a guerra fiscal é apenas um dos aspectos. A busca da qualidade é a motivação que deve orientar a participação do Estado de São Paulo nos debates sobre a reforma tributária. Nesse sentido, o  Fórum Fiscal dos Estados Brasileiros, que conta com o apoio sistemático do Governo do Estado de São Paulo, cumpre a dupla tarefa de resgatar o debate sobre o federalismo fiscal brasileiro e, ao mesmo tempo, criar o ambiente adequado para a formulação de propostas que viabilizem um modelo federativo mais harmônico.

Da mesma forma que os Estados e o Distrito Federal souberam criar a sinergia necessária para fornecer a resposta à mudança de paradigma da administração fazendária, por meio do PNAFE, o Estado de São Paulo acredita que essa mesma capacidade de entendimento e cooperação poderá colaborar na construção de uma Federação forte e equânime".